Justiça suspende licenças de carvão no RS e determina plano de transição energética
Sentença reconhece omissão do poder público e reforça exigência de participação social na política climática

A Justiça Federal do Rio Grande do Sul determinou a suspensão das licenças ambientais da usina termelétrica Candiota III e de minas de carvão em operação no município de Candiota, na região da Campanha. A decisão, publicada neste mês, também obriga União, Estado, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) a apresentarem, até 31 de janeiro de 2026, um plano de transição energética justa para o setor de carvão mineral no estado.
A sentença é resultado de uma Ação Civil Pública proposta pelo Instituto Preservar, pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e pelo Núcleo Amigos da Terra – Brasil, com apoio do Comitê de Combate à Megamineração no RS (CCM/RS). O processo questionava a continuidade da exploração de carvão no estado sem que fossem cumpridas diretrizes previstas na Política Nacional de Mudanças do Clima (Lei nº 12.187/2009) e na Política Gaúcha de Mudanças Climáticas (Lei nº 13.594/2010).
Suspensão imediata das licenças
O Ibama deve suspender a licença de operação da UTE Candiota III, enquanto a Fepam deve interromper a licença da Mina Candiota, ambas por descumprimento das legislações climáticas. A usina, que era da Eletrosul, foi comprada em 2023 pela Âmbar Energia, empresa do grupo J&F, por R$ 72 milhões. Para voltar a operar, terá que comprovar adequação às normas ambientais e reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.
Além disso, a Fepam deverá incluir, nos processos de licenciamento de minas de carvão, critérios expressos de mitigação climática, algo que até então vinha sendo ignorado.
Reforço da participação social
Outro ponto relevante é a determinação de que o governo estadual adeque, em até 30 dias, a composição da plenária do Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas (FGMC), garantindo paridade entre representantes do governo, da sociedade civil e da comunidade científica. A medida busca ampliar a participação popular nas decisões sobre energia e meio ambiente.
Marco jurídico e ambiental
Para Marina Dermmam, advogada do escritório MDRR – Advocacia e Direitos Humanos, a decisão é um divisor de águas no combate à emergência climática no Brasil. “Esse reconhecimento jurídico significa que a omissão deixou de ser tolerada e passou a ser considerada ilegal. A sociedade civil, que há anos denuncia essa negligência, agora tem a confirmação de que a lei está do seu lado”, afirmou ao Brasil de Fato.
Ela ressalta que os efeitos práticos da sentença obrigam o poder público a incorporar a variável climática nos licenciamentos ambientais.
— Projetos altamente emissores de gases de efeito estufa, como os de Candiota, não poderão mais avançar sem enfrentar de frente seus impactos sobre o clima e as próximas gerações — explicou.
Transição energética em debate
A decisão também força União e Estado a construir, em conjunto, um plano de transição energética para o setor de carvão, a ser apresentado até janeiro de 2026. Esse plano deve prever alternativas econômicas para as regiões dependentes da mineração e da geração termelétrica, evitando impactos sociais bruscos, ao mesmo tempo em que promove a redução das emissões.
Especialistas destacam que o Rio Grande do Sul é um dos estados com maior dependência do carvão mineral, principalmente na geração elétrica em Candiota, e que a sentença pode abrir caminho para investimentos em energias renováveis, como solar, eólica e hidrogênio verde, áreas em que o estado já busca se consolidar.
Participação da sociedade
A exigência de reequilibrar a composição do Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas é vista como fundamental para assegurar transparência. Para os movimentos ambientais, a inclusão da ciência e da sociedade civil é condição indispensável para que a transição seja de fato justa, evitando decisões unilaterais que privilegiem interesses econômicos em detrimento do meio ambiente e das comunidades locais.
Repercussão
A decisão da Justiça Federal é considerada inédita no estado e pode servir de referência para outros casos semelhantes no país. O Instituto Preservar e demais entidades autoras da ação destacaram que a sentença “representa um avanço histórico na responsabilização do poder público diante da crise climática e um passo decisivo para reduzir a dependência do carvão no Rio Grande do Sul”.
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