71 anos do suicídio de Getúlio Vargas: o gesto que mudou a política brasileira
Em 24 de agosto de 1954, a morte do presidente marcou o fim de uma crise e consolidou sua imagem como ‘pai dos pobres’

Há 71 anos, em 24 de agosto de 1954, o Brasil amanhecia com a notícia do suicídio do presidente Getúlio Dorneles Vargas, que se matou com um tiro no peito, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. O gesto extremo colocou fim a uma grave crise política e transformou o gaúcho de São Borja em um dos personagens mais marcantes da história nacional.
Vargas deixou uma carta-testamento em que justificava a decisão como uma forma de defender sua honra e resistir às pressões de grupos políticos e militares que exigiam sua renúncia. “Saio da vida para entrar na história”, escreveu.
A morte desencadeou uma comoção nacional. Milhares de pessoas foram às ruas em luto e protesto, principalmente no Rio e em São Paulo. O gesto mudou os rumos da política: manifestações populares contiveram a pressão pela deposição e reforçaram a imagem de Vargas como líder que se sacrificou em nome do povo.
Durante sua trajetória, Getúlio governou o Brasil por dois períodos: de 1930 a 1945, inicialmente como chefe do Governo Provisório e depois durante o Estado Novo, e de 1951 a 1954, quando voltou eleito pelo voto popular. Foi responsável por uma série de políticas trabalhistas e sociais, como a criação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que lhe renderam o título de “pai dos pobres”.
Sete décadas depois, o episódio segue sendo lembrado como um divisor de águas da história republicana, marcando a relação entre política, crise e mobilização popular no Brasil.
Carta-testamento de Getúlio Vargas
A Carta-testamento de Getúlio Vargas foi escrita horas antes do suicídio, em 24 de agosto de 1954, e é dirigida ao povo brasileiro. Foi lida, durante seu enterro, pelo político petebista João Goulart.
Há controvérsias quanto a autoria, mas nunca conseguiu-se provar quem realmente teria escrito se não o próprio Vargas.
Nela, Vargas deixa as marcas de seu legado na história política brasileira, fala que sempre trabalhou em prol da população e que tudo fez para o bem do povo: “"Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.”
Dentro do contexto que levou ao suicídio, Vargas, através desta carta consegue reverter a situação que havia se abatido contra ele e seu governo. Bastou a leitura da carta-testamento deixada por Vargas para que a população tomasse as ruas para protestar contra os inimigos do “pai dos pobres”. Houve quebra-quebras e incêndios em sedes de jornais contrários a Vargas.
Diante da crise política, da falta de apoio o Congresso, das acusações feitas pelos adversários, que culminaram com a sua morte, esta carta fez com que a velha imagem do político populista fosse reacendida e, mais uma vez, a situação se torna favorável a ele, mesmo depois de morto.
Leia a carta-testamento de Getúlio Vargas:
“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte.
Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.”
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