Ex-assessor acusa Moraes de adulterar relatório; Senado aciona órgãos e STF nega irregularidades
Em depoimento à Comissão de Segurança Pública, Eduardo Tagliaferro diz que documento teve data retroativa para embasar operação da PF; gabinete do ministro afirma que tudo ocorreu 'regular e oficialmente'

O perito criminal Eduardo Tagliaferro, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acusou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de adulterar a data de um relatório técnico para justificar uma operação da Polícia Federal em 2022. A declaração foi dada por videoconferência à Comissão de Segurança Pública (CSP) do Senado, na terça-feira (02/09). Senadores aliados de Jair Bolsonaro anunciaram que usarão os documentos apresentados para pedir a suspensão de julgamentos no STF. O gabinete de Moraes afirma que todos os procedimentos foram regulares.
Segundo Tagliaferro, o caso envolve um relatório relacionado a mensagens de empresários que defendiam um golpe de Estado, reveladas em agosto de 2022. Ele sustenta que o documento foi elaborado após reportagens e buscas da PF, mas teria recebido data anterior para aparentar respaldo técnico prévio.
— Foi pedido para que se confeccionasse um parecer, relatório, com data retroativa, e eu assinando pelo Supremo Tribunal Federal, ao qual eu não era nomeado — afirmou.
Em outro momento, o ex-assessor se referiu a uma “maracutaia judicial” e disse que houve “direcionamento de cunho político” na atuação do gabinete durante as eleições de 2022.
A audiência foi conduzida pelo presidente da CSP, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Por decisão simbólica, a comissão deliberou disponibilizar às defesas dos réus do 8 de janeiro os materiais apresentados por Tagliaferro. Os membros também aprovaram a elaboração de um relatório a ser enviado ao presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ao TSE, ao CNJ, ao CNMP, à OAB e ao governo dos Estados Unidos, além de requisitar proteção ao ex-assessor — que participou da Itália — e a seus familiares.
Parlamentares da base bolsonarista defenderam medidas imediatas. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) pediu a suspensão do julgamento do ex-presidente e atacou o ministro:
— O que estamos presenciando aqui é uma grande violação de direitos humanos (...). Esse magistrado tem que ser preso hoje.
Em discursos no Plenário, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) disse que as revelações configuram “execução” e não julgamento, e citou o que chamou de “Vaza Toga” — mensagens atribuídas a juízes auxiliares do STF envolvendo a deputada Carla Zambelli.
— O que a gente ouviu já anularia toda essa farsa — afirmou.
Outros senadores pressionaram por investigações. Esperidião Amin (PP-SC) pediu proteção a Tagliaferro e defendeu a instalação de uma CPI para apurar supostos abusos do Judiciário. Cleitinho (Republicanos-MG) propôs uma CPMI sobre a “vaza toga”. Jorge Seif(PL-SC) disse ver “fraude processual” e cobrou a aprovação de uma CPI para ouvir peritos independentes.
Tagliaferro trabalhou com Moraes no TSE entre 2022 e 2024 e foi exonerado após a divulgação de conversas com o ministro. Ele foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por violação de sigilo funcional, coação no curso do processo e obstrução de investigação penal. No último dia 25/08, o Ministério das Relações Exteriores pediu sua extradição ao governo italiano.
Próximos passos
A CSP prepara relatório para envio às instituições citadas e decidiu franquear o material às defesas de réus do 8 de janeiro. Senadores articulam pedidos de suspensão de julgamentos e a abertura de CPI/CPMI para investigar as denúncias. O STF mantém o posicionamento de regularidade dos procedimentos.
O que diz o ministro
Em nota (leioa no final , o gabinete de Alexandre de Moraes afirmou que as apurações ocorreram no âmbito dos inquéritos das fake news (Inq 4.781) e das milícias digitais (Inq 4.878), “com determinações e requisições a inúmeros órgãos, inclusive ao TSE”, e que os relatórios “simplesmente descreviam postagens ilícitas” ligadas às investigações, sendo juntados aos autos e enviados à Polícia Federal “sempre com ciência da PGR”. “Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados”, diz o texto.
A nota cita especificamente a PET 10.543: após decisão do relator em 19/08, foi solicitado relatório ao TSE, juntado aos autos em 29/08, com vista imediata às partes; em 09/09, recurso da PGR não foi conhecido pelo STF.
Veja a íntegra da resposta do ministro:
“O gabinete do Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações dos Inq 4781 (Fake News) e Inq 4878(milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições.
Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas as investigações de milícias digitais.
Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República.
Na PET 10.543, o procedimento foi absolutamente idêntico. Após a decisão do Ministro relator, em 19 de agosto, foi solicitado relatório para o TSE, que foi juntado aos autos no dia 29 de agosto, tendo sido dada vista imediata às partes. O recurso da PGR não foi conhecido pelo STF, em 9 de setembro. Tudo regular e oficialmente nos autos.”
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