EDITORIAL | Anistia para réus do 8 de Janeiro é afronta à Constituição
Hugo Motta precisa ter clareza: seu legado não pode ser uma anistia a quem, pela primeira vez em 135 anos de República, é responsabilizado por conspirar contra a própria democracia

O debate em torno de uma proposta de anistia para os responsáveis pela violência do 8 de Janeiro expõe uma afronta direta à Constituição e aos princípios básicos do Estado Democrático de Direito. É responsabilidade do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), barrar essa iniciativa que tem, em última instância, o objetivo de beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, caso seja condenado no julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal.
Motta chegou a admitir, em reunião com líderes partidários, a possibilidade de colocar a pauta em discussão, citando o aumento do número de pedidos de apoio. No entanto, diante da gravidade do tema, o deputado precisa reafirmar suas posições anteriores, contrárias à proposta, e demonstrar espinha dorsal republicana. Ceder a pressões políticas seria abdicar de sua responsabilidade histórica e institucional.
Defensores da anistia argumentam que a medida traria “pacificação” ao país. Trata-se de um discurso vazio. Livrar condenados por crimes que atentam contra a democracia não pacifica, mas revigora aqueles que defendem a ruptura do Estado de Direito. Ao invés de reforçar os limites constitucionais, a anistia incentiva novas tentativas de subversão institucional e coloca o país à beira de uma crise sem precedentes, caso o Supremo venha a considerar a medida inconstitucional.
Entre a conveniência política imediata e a defesa da democracia, alguns políticos optam pelo ganho de curto prazo. É o caso do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que atua abertamente a favor da anistia, chegando a declarar que “não confia na Justiça”. Essa postura compromete sua credibilidade republicana e banaliza a gravidade de uma tentativa de golpe de Estado.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), sinalizou uma alternativa: atualizar a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito sem interferir no julgamento de Bolsonaro. A intenção de diferenciar organizadores e financiadores de atos golpistas da “massa de manobra” pode ser válida, mas só deve ser apreciada após o julgamento, evitando que se transforme em um pretexto para anistiar os réus do 8 de Janeiro.
O Brasil e o mundo observam atentamente. Os responsáveis pelos maiores cargos da República serão julgados não apenas pela opinião pública, mas pela História. Hugo Motta precisa ter clareza: seu legado não pode ser uma anistia a quem, pela primeira vez em 135 anos de República, é responsabilizado por conspirar contra a própria democracia.
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