EDITORIAL | Um retrocesso na luta contra a corrupção
Reduzir, na prática, o tempo de inelegibilidade de políticos condenados não é apenas uma afronta ao espírito da Lei da Ficha Limpa — é uma mensagem clara de que o compromisso com a ética na política é frágil e facilmente negociável nos bastidores do Congr

O Senado Federal deve votar hoje uma proposta que altera profundamente a Lei da Ficha Limpa, uma das conquistas mais relevantes da sociedade civil brasileira no combate à corrupção e à impunidade. O projeto de lei, já aprovado na Câmara, antecipa a contagem do prazo de inelegibilidade de políticos condenados para o momento da condenação, e não mais após o cumprimento da pena. Embora o texto afirme manter os oito anos de inelegibilidade, na prática, reduz de forma considerável o tempo em que um político condenado fica afastado das urnas.
Essa mudança é, sem dúvida, um perigoso retrocesso.
A Lei da Ficha Limpa nasceu de uma iniciativa popular, com o apoio de mais de 1,6 milhão de assinaturas, e simboliza a rejeição do eleitorado brasileiro aos candidatos com histórico de corrupção e má conduta ética. Alterá-la sem o devido debate público — como já denunciaram entidades como Transparência Internacional Brasil e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral — é ignorar a vontade popular e escancarar as portas para o retorno precoce de políticos condenados ao cenário eleitoral.
E não se trata de mera coincidência que entre os possíveis beneficiados estejam nomes como Eduardo Cunha, Anthony Garotinho e José Roberto Arruda — todos com histórico de processos judiciais e condenações. A proposta parece desenhada sob medida para permitir o retorno de velhos caciques à política, mesmo sem que tenham cumprido plenamente a penalidade imposta pela Justiça.
Reduzir, na prática, o tempo de inelegibilidade de políticos condenados não é apenas uma afronta ao espírito da Lei da Ficha Limpa — é uma mensagem clara de que o compromisso com a ética na política é frágil e facilmente negociável nos bastidores do Congresso. Em um país que ainda luta para fortalecer suas instituições democráticas, essa proposta representa um passo na direção errada.
Mais do que nunca, é preciso resistir a qualquer tentativa de flexibilizar o combate à corrupção. É hora de reafirmar a importância da transparência, da responsabilidade e da integridade na vida pública. Por isso, este editorial se posiciona firmemente contra a aprovação dessa mudança na Lei da Ficha Limpa. Não podemos permitir que os interesses de poucos se sobreponham ao desejo legítimo de milhões por uma política mais limpa e justa.
COMENTÁRIOS