Entenda as promessas do medicamento recém-aprovado para câncer cerebral
Em ensaio clínico, o vorasidenibe ampliou em mais de dois anos a sobrevida sem progressão da doença de pacientes acometidos por astrocitoma ou oligodendroglioma

Arthur Almeida
Agência Einstein
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, no último dia 11 de agosto, o registro do medicamento vorasidenibe para uso e comercialização dentro do território brasileiro. Ele foi desenvolvido para atuar como uma terapia-alvo no tratamento de pessoas diagnosticadas com astrocitoma e oligodendroglioma, dois tipos raros de câncer que afetam o sistema nervoso central.
A eficácia do fármaco foi atestada no ensaio clínico Investigating Vorasidenib in Glioma (INDIGO), conduzido por uma equipe internacional de pesquisadores e descrito em um artigo científico publicado no periódico New England Journal of Medicine em junho de 2023. “Foi a análise dessa pesquisa que a Anvisa utilizou como base para regulamentar o vorasidenibe”, explica o oncologista Donato Callegaro Filho, do Einstein Hospital Israelita.
No ensaio, os pesquisadores responsáveis verificaram que os voluntários em tratamento com o vorasidenibe passaram a apresentar uma mediana de sobrevida livre de progressão da doença de 27,7 meses. A janela é significantemente maior do que aquela apresentada pelo grupo placebo, que não recebeu a medicação, cuja mediana de sobrevida livre foi de 11,1 meses.
Esse resultado representa uma redução de quase 61% no risco de progressão ou morte dos pacientes que receberam a medicação. “Isso é especialmente importante para preservar a qualidade de vida em pessoas mais jovens”, pontua a oncologista clínica Ligia Traldi Macedo, do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que também atua como pesquisadora do Centro de Inovação Teranóstica em Câncer (CancerThera).
Outro destaque da pesquisa é que o período até que uma nova intervenção fosse necessária também foi significativamente maior no grupo que tomou o medicamento: após 24 meses, 83% dos pacientes que usaram vorasidenibe não haviam precisado de outro tratamento, contra 27% dos que receberam o placebo.
O fato de o vorasidenibe ser um comprimido oral e ter poucos efeitos colaterais facilita seu uso. “Esse fator pode torná-lo mais tolerável para os pacientes continuarem com o tratamento em longo prazo. Não é um medicamento curativo, mas é mais uma ferramenta para ajudar a ter um controle da doença por mais tempo”, observa Callegaro Filho.
Como funciona o medicamento
O remédio é um comprimido de 10mg ou 40mg de uso diário, que age especificamente sobre mutações nas enzimas metabólicas conhecidas como isocitrato desidrogenases 1 e 2 (IDH-1 e IDH-2), presentes nesses tumores.
Essas alterações genéticas levam à produção excessiva de uma substância chamada 2-hidroxiglutarato (2-HG), que interfere na divisão celular e no DNA normal do paciente, contribuindo para o crescimento do câncer.
O vorasidenibe reduz a produção de 2-HG ao bloquear a ação das enzimas mutadas, atrasando o avanço da doença e até reduzindo o volume do tumor. “Daí a vantagem do medicamento”, frisa o médico do Einstein. “Essa alternativa oral adia abordagens de tratamento mais complexas, como a radioterapia e a quimioterapia, que podem ter efeitos colaterais prejudiciais em longo prazo.”
Alternativa mais segura de tratamento
O astrocitoma e o oligodendroglioma são considerados tumores esporádicos, que raramente têm uma causa hereditária associada. Eles podem surgir em qualquer região do cérebro nas células da glia (que têm a função de envolver e nutrir os neurônios, mantendo-os unidos) e se desenvolver de forma bastante lenta.
Os sintomas variam de acordo com o local atingido e o tamanho do tumor. Mas, no geral, se manifestam por meio de episódios de convulsão e, a longo prazo, dor de cabeça e déficits neurológicos progressivos, como alteração na fala, mudança no comportamento ou dificuldade motora.
A investigação diagnóstica desses quadros parte de uma avaliação médica clínica, acompanhada por exames de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância magnética. A confirmação do caso se dá por via histológica, a partir da análise de uma amostra do tecido tumoral, coletada em cirurgia.
Durante esse procedimento, os médicos já tentam retirar o máximo possível da área afetada sem causar novos déficits neurológicos — mas não há garantia de que tudo será removido. “Os astrocitomas e oligodendrogliomas são chamados de tumores ‘difusos’ porque se infiltram no tecido cerebral de forma pouco delimitada, dificultando sua remoção”, aponta Ligia Macedo.
Feita a cirurgia, o paciente que conseguiu ter uma ressecção radical do tecido cancerígeno segue em observação para monitorar possível recrescimento do tumor. Já nos casos em que ainda existe resíduo, discute-se um tratamento complementar. “Até agora, esse cuidado era restrito a radioterapia, quimioterapia ou outra cirurgia. Mas o vorasidenibe representa uma nova perspectiva terapêutica”, afirma a médica Fernanda Salek, diretora de Oncologia da farmacêutica francesa Servier, fabricante do medicamento.
Entrada no mercado brasileiro
Em nota enviada à Agência Einstein, a Anvisa reitera que a indicação aprovada é para o tratamento de gliomas (astrocitoma e oligodendroglioma) de baixo grau com mutação em IDH-1 ou IDH-2. “Os pacientes devem ser maiores do que 12 anos e terem sido submetidos a intervenção cirúrgica prévia, incluindo biópsia, ressecção subtotal ou ressecção macroscópica total, sem necessidade de quimioterapia ou radioterapia imediata.”
Embora o registro do vorasidenibe tenha sido concedido pela Anvisa, ele ainda precisa passar por algumas etapas antes de poder ser comercializado. Uma delas é a aprovação na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão responsável pela definição de preços dos remédios no país. Após essa aprovação, o fármaco começará a ser importado, já que não será produzido no país, segundo a fabricante.
Para ser incluído no rol de medicamentos cobertos pelos convênios particulares, o vorasidenibe também precisa passar por avaliação da Agência Nacional de Saúde (ANS). Já para sua oferta pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a análise envolve outras instâncias, como a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Esses processos costumam levar meses ou anos até a conclusão.
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