Marina Cabral e o futebol: de Charqueadas para os Estados Unidos
Pressionada pela sociedade e divida entre o esporte e os estudos, ela descobriu que poderia fazer as duas coisas ao mesmo tempo

Carla Miller Trainini
Múltipla inteligência significa se destacar em diferentes setores, estar acima
da média em algum assunto que não represente, necessariamente, excelentes
notas, porém, que se destaque de alguma maneira no meio da multidão. É o que
aponta a psicóloga Juliana da Rosa Linassi, que cita como exemplo Thomas Alva
Edison, um empresário americano que patenteou e financiou o desenvolvimento de
muitos dispositivos importantes e de grande interesse industrial e que teve
grande apoio de sua mãe por acreditar em seu potencial intelectual.
- Não tem como falar sobre genialidade e múltiplas inteligências sem mencionar
Thomas Edson, que é o grande precursor da revolução tecnológica, por exemplo.
Ele, quando criança, foi expulso da escola por ser um aluno inquieto e porque
tinha dificuldade em aprender. Isso tudo foi escrito em uma carta e entregue a
sua mãe, que começou a educá-lo em casa e fez com que conseguisse alçar voo em
suas capacidades, por conta própria – salienta a psicóloga Juliana da Rosa
Linassi.
Este é o caso da charqueadense Marina Cabral Pereira Brasil, que sempre se
destacou no esporte e nunca desistiu do sonho de ser uma jogadora de futebol.
Hoje, aos 19 anos, ela mora nos Estados Unidos, onde atua como titular no time
da faculdade onde também cursa Psicologia.
- Para mim sempre foi muito difícil estudar, mas nunca deixei os estudos de
lado. Eu gostava muito de jogar futebol, mas sabia que também precisava
estudar. Só que eu sempre me destaquei muito mais no esporte do que sendo uma
aluna nota A. Tive bastante dificuldade neste quesito - explica Marina, que
enfrentou diversos obstáculos até conseguir destaque e reconhecimento.
ONDE TUDO COMEÇOU
Marina começou a se interessar por futebol ainda na infância quando assistia ao
irmão jogar e o acompanhava nos treinos. Quando completou cinco anos, entrou
para a escolinha da Afaço, em Charqueadas, porém, era muito difícil encontrar
mulheres que jogassem e isso fazia com que tivesse que participar junto dos
meninos. Foi pelo estímulo dos pais que ela se sentiu livre para fazer suas
escolhas.
- Quando eu era criança e me perguntavam o que queria ser quando crescesse eu
dizia que queria ser a Marta (jogadora de futebol da seleção brasileira). Eu
não falava que queria ser médica ou qualquer outra profissão e meus pais sempre
me incentivaram, gostavam de me ver jogando - relembra.
INTERRUPÇÃO NA CARREIRA
Jogando desde a infância e se destacando cada dia mais, Marina chegou a dar um
tempo na carreira futebolística devido à influências de terceiros. Ela salienta
o quanto a opinião alheia interferiu em seus sonhos.
- Conforme fui crescendo, a sociedade foi tirando isso da minha cabeça e eu
comecei a ver que no Brasil era muito difícil se sustentar só com o futebol
feminino. Então iam me dizendo que eu não conseguiria viver de futebol e isso
fez com que eu fosse perdendo um pouco o sonho de ser a Marta, que eu sempre
dizia que queria ser. Foi aí que eu comecei a me dedicar mais aos estudos,
porque eu pensava assim, “se eu quero ser a Marta, antes eu preciso dos
estudos, preciso me formar em algo e depois eu penso no futebol”. Fiquei um
tempo com essa ideia fixa na cabeça – conta.
Ela parou completamente de jogar e ficou longo tempo afastada dos campos para
poder concluir os estudos, que então se tornaram, de fato, prioridade. Até que
se deu conta de que poderia fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
- Depois que eu me formei no Ensino Fundamental, parei completamente de jogar e
me afastei por um bom tempo do futebol, fiquei só estudando. Mas aí eu percebi
o quanto aquilo estava fazendo falta na minha vida. É uma paixão que eu tenho e
que não precisava deixar de lado, já que eu coseguiria fazer as duas coisas,
estudar e jogar - comenta Marina, que agora considera ter uma mentalidade
diferente devido a seu amadurecimento.
PERSEGUINDO UM SONHO
Foi em 2014, quando se mudou para Pelotas, na região Sul do Estado, que portas
começaram a se abrir. Dois anos depois, sentindo muita falta de praticar o
esporte, tomou a iniciativa de retornar aos campos devido à grande saudade que
sentia. Foi então que tudo começou a mudar.
- Foi no Esporte Clube Pelotas que as coisas começaram a dar muito certo. No
meu primeiro ano já entrei na categoria adulta – até então eu era sub-17 -,
para ganhar experiência. Ia para os jogos e não chegava a entrar em campo, mas
nunca desanimei. Aí no meio do ano começou o campeonato da minha categoria e eu
consegui ser capitã e fomos campeãs do Gauchão Sub-17, que é o campeonato mais
importante. No mesmo ano eu me formei no Ensino Médio, tudo isso em 2016 -
destaca.
Ela relembra que foi muito difícil retornar, porque ainda tinha em mente as
imposições da sociedade, que dizia que ela não poderia viver de futebol. No
entanto, a definição sobre os estudos e a sua força de vontade fizeram com que
o sonho pudesse voltar a ser realidade.
- Eu já tinha em mente o que queria fazer, que era cursar Psicologia. Então já
estava decidida a estudar e me formar neste curso, mas também queria jogar
futebol. Eu percebi que deixei de lado meu sonho de criança e isso estava me
fazendo muita falta. E no Pelotas eles já falavam muito que, para estar ali,
tinha que ter boas notas, não podia deixar os estudos de lado, por isso eu
sempre caminhei lado a lado com o futebol e os estudos, nunca larguei um pelo
outro - conta.
O PASSAPORTE PARA OS ESTADOS UNIDOS
Marina explica que o Pelotas havia iniciado uma parceria com a “Go USA”,
empresa que leva meninas do Brasil para estudar e jogar nos Estados Unidos. Foi
neste momento que seus olhos brilharam e viu que esta era a grande chance de
atingir seu objetivo, que seria estar estudando e, ao mesmo tempo, jogando pela
Universidade.
- Em 2017 foram duas amigas minhas para os Estados Unidos, Júlia Oliveira e
Débora Maciel. Na oportunidade o meu treinador perguntou se eu tinha interesse
também e foi quando começou todo o processo de preparação de saber falar Inglês
e melhorar o meu físico para que no ano seguinte eu estivesse pronta e pudesse
embarcar. E tudo deu muito certo na minha vida. Eu abracei esta oportunidade e
hoje estudo Psicologia em outro país, tudo graças ao futebol - finaliza.
O
QUE ELA DISSE
“Se eu não tivesse dedicado um tempo da minha vida para o futebol, e tivesse
escutado as pessoas que me diziam que o futebol não me levaria a lugar algum,
eu não estaria onde estou hoje. Nunca fui uma aluna de notas boas, mas sempre
me destaquei no esporte e isso me abriu diversas portas para eu estar vivendo
como estou hoje. Certa vez li uma frase, que era mais ou menos assim: ‘a pessoa
que eu sou hoje, a criança que eu era, se orgulharia?’. Então eu pensei que
não, eu não estava fazendo algo que eu amo. Foi quando voltei para o futebol e
naquele mesmo ano fiz o teste no Sport Clube Pelotas e foi a primeira vez que
eu joguei em campo. Dali eu ganhei a oportunidade de morar no exterior,
cursando a faculdade que escolhi e jogando futebol, que sempre foi a minha
grande paixão”.
Marina Cabral Pereira
Brasil, estudante de Psicologia e jogadora de futebol, pela Cloud County
Community College, Estados Unidos.
MARINA
CABRAL PEREIRA BRASIL
-
Tem 19 anos, filha de Andreia Cabral Colares Pereira e Edison Colares Pereira
- Em Charqueadas estudou na escola Piratini, até a 5° série, quando foi
transferida para a Escola Maria de Lourdes, no mesmo município.
- Em 2014 mudou-se para Pelotas, onde passou a estudar no Colégio Gonzaga. No
entanto, teve um período em 2015 que retornou para Charqueadas e cursou uma
parte do segundo ano do Ensino Médio na Escola Assis Chateaubriant.
- Hoje reside em Concórdia, no estado de Kansas, Estados Unidos.
- Mora de aluguel em uma casa com mais duas meninas. “Tenho a opção de morar
dentro da faculdade mesmo, mas é bem mais caro. Algumas meninas possuem
incluído em sua bolsa um auxílio moradia, mas não é o meu caso”, explica.
- Atualmente estuda Psicologia na Cloud County Community College, onde também
joga no time oficial de futebol feminino.
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