Andréia Calbar: dias de luta, dias de glória
A história de quem venceu quatro tumores, desafiou a medicina ao se tornar mãe e luta constantemente contra o transtorno bipolar, fibromialgia, entre outras doenças, sempre sem perder a fé e esperança em dias melhores

Trainini
“A vida me ensinou a nunca desistir
Nem ganhar, nem perder, mas procurar
evoluir
Podem me tirar tudo que tenho
Só não podem me tirar as coisas boas
Que eu já fiz pra quem eu amo
E eu sou feliz e canto
O universo é uma canção
E eu vou que vou
“História, nossas histórias
Dias de luta, dias de glória
Histórias, nossas histórias
Dias de luta, dias de glória”.
O ser humano
nasce, cresce e se reproduz... Assim aprendemos na escola a teoria do que
basicamente deveria acontecer durante a vida. No entanto, nem sempre a história
é tão simples assim, como diz a letra da música “Dias de luta, dias de glória”,
de Charlie Brown Jr, em que a superação dos obstáculos se torna essencial para
a sobrevivência.
Durante este desenvolvimento, muitos ciclos necessariamente precisam ser
vividos. São obstáculos que vão surgindo pelo caminho, conforme as escolhas vão
sendo feitas. Muitas vezes, porém, as circunstâncias fogem do controle e acabam
colocando em prova a fé e a perseverança em algo maior, algo em que se acredita
ou não. Quando isso acontece, a força para lutar por um objetivo é colocada em
cheque.
De acordo com a psicóloga Juliana da Rosa Linassi, pós-graduanda em Educação e
Contemporaneidade pelo Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), Câmpus
Charqueadas, a palavra fé tem origem no
Grego “pistia”, que remete a uma atitude de fidelidade.
- Quando a utilizamos, estamos colocando nossas forças em algo superior,
confiando. O mesmo conceito se soma à esperança que nos move e que possui uma
capacidade e habilidade adaptativa. Comprovadamente de maneira científica, a fé
quando junto da esperança mostra que elas agem nas mudanças cerebrais e que as
emoções que delas surgem acabam transformando e reforçando a mente, o corpo e o
sistema imunológico, assim prevenindo doenças e realizando
"milagres", o que já foi amplamente estudado. A prova disso é que a
Organização Mundial de Saúde tem realizado investigações sobre os fenômenos da
fé e da espiritualidade, como conceitos multidimensionais de saúde, considerando
que ambas, junto às dimensões corporais, psíquicas e sociais, são vitais aos
processos de melhora e cura das doenças - explica
a psicóloga, que também está se formando em Terapia Comportamental Dialética.
FÉ E PERSEVERANÇA
Este é o caso da charqueadense de coração, Andréia Alves Calbar, que aos 40
anos já enfrentou quatro tumores e desafiou a medicina ao engravidar após ter
recebido a notícia de diversos motivos que a impediriam de se tornar mãe. Entre
tantos outros obstáculos enfrentados, também está a constante luta contra o
transtorno bipolar e a fibromialgia, doenças para as quais ainda não existe
cura. Porém, sem perder a fé em Deus, ela segue vivendo um dia após o outro,
sempre com esperança de dias melhores.
- Como é difícil “ser eu”. Confesso, têm dias que nem eu me suporto e
isso é muito triste de dizer. Mas gratidão é a palavra que me rege. Sei que
minha missão aqui na Terra não foi cumprida ainda, porque vou conseguir ver meu
filho crescer. Tenho muita fé e sou muito corajosa. Deus dá grandes batalhas
aos melhores guerreiros e eu tenho certeza de que sou uma. “Fé e Gratidão” são
meus nomes, do meu sobrenome que é “Andréia”. Deus no comando, sempre -
salienta.
ONDE TUDO COMEÇOU
Foi aos 19 anos que sua vida começou a mudar. De origem humilde e tendo sido
criada com muita rigidez, Andréia passou no vestibular para Administração, na
Ulbra São Jerônimo. Um ano depois conseguiu o primeiro estágio da carreira, no
Banrisul, também em São Jerônimo. Residia em Charqueadas e não ganhava vale
transporte. Trabalhou durante um ano e dez meses na empresa, na época da
implantação dos caixas eletrônicos. Depois passou por outro estágio na
Tractebel, em Charqueadas, até que chegou ao banco onde todos os problemas de
saúde começaram a surgir. Andréia é funcionária até hoje, porém, impedida de
trabalhar. O contrato de estágio era de dois anos, mas em dez meses foi
efetivada. Em julho deste ano, completará 10 anos de afastamento e também, 10
anos de luta para sobreviver.
O CASAMENTO E O PRIMEIRO SUSTO
Andréia casou-se aos 24 anos. Poucos dias antes de completar um mês de
matrimônio, recebeu a primeira rasteira da vida. Foi em uma consulta a um
otorrino por causa de uma alergia que recebeu o diagnóstico de um tumor de face
em estágio avançado e que já havia se alastrado por grande área de seu rosto.
No mesmo dia, o médico a encaminhou para o setor de oncologia e em oito dias
estava internada para fazer a cirurgia devido à gravidade do tumor.
Ela explica que já estava quase atingindo seu olho e que só ia notar realmente
quando chegasse a atingir a visão, o que já estava acontecendo. O tumor chegou
a obstruir uma das narinas e o osso do céu da boca não existia mais, havia se
transformado em cartilagem, uma carne esponjosa.
- Eu sentia muita dor de dente e não entendia de onde vinha, porque não tinha
nenhuma cárie. Cheguei a fazer nove tratamentos de canal, sendo que três vezes
em um mesmo dente e ainda tive que arrancá-lo. Tive que extrair muitos dentes,
coloquei aparelho para tentar segurá-los e nada adiantou. Nenhum dentista havia
percebido que era o tumor se manifestando. Em todos os profissionais pelos
quais passei nunca me pediram algum tipo de exame que indicasse onde estava o
problema, ninguém investigou. Eu não tinha nem um mês de casamento e minha mãe
recém tinha perdido uma tia, também por causa de um câncer, quando descobri
este tumor na face. Foram 18 horas de cirurgia e 21 dias de internação
recebendo alimentação via sonda. Os médicos retiraram um tumor que media 11 por
7 centímetros – relata.
SEGUNDO TUMOR
Dois anos após o primeiro diagnóstico, novamente outra provação precisou
ser enfrentada enquanto ainda recuperava a saúde. Dessa vez foi o colo do útero
a ser atingido. Andréia explica que, por permanecer em constante alerta em
função do histórico familiar e seu problema anterior, conseguiu descobrir bem
no início. Passou por nova cirurgia e logo estava trabalhando novamente.
- Com tudo isso, o tempo foi passando. Depois da última cirurgia, parei de
menstruar. Fiz diversos exames e descobri que eu não ovulava e que eu tinha síndrome
dos ovários policísticos (distúrbio hormonal comum nas mulheres em idade
reprodutiva, definido por um aumento de tamanho dos ovários, que criam várias
bolsas cheias de líquido - cistos). Além disso, também tive uma trompa
obstruída e endometriose – salienta Andréia sobre as consequências que o tumor
havia causado em seu corpo.
SONHO DE SER MÃE
Quando estava com quase 30 anos, a vontade de ser mãe aflorou. Seu marido,
Tiago, apoiou a decisão e Andréia conta que passou dois anos tentando
engravidar pelo método natural e também por indução. Ouviu de seu médico que a
qualidade de seu útero a impedia de virar mãe devido às consequências do último
tumor.
A primeira alternativa pensada para driblar a situação foi inseminação
artificial, mas o processo era caro e o plano de saúde não cobriria. Decidiram,
então, entrar para a fila de adoção. Um mês antes da entrevista, ela passou
muito mal e precisou ser internada às pressas no hospital.
- A entrevista estava marcada para setembro daquele ano, mas um mês antes
comecei a passar muito mal no banco onde eu trabalhava. Eu perdi naquela vez
cerca de nove quilos em menos de uma semana porque eu chegava para trabalhar,
passava mal, tomava soro e voltava ao trabalho no dia seguinte, com muita dor.
Nem água parava no meu estômago. Assim foi por vários dias. Até que certa vez
passei muito mal e meus colegas decidiram me levar para o hospital porque viram
que era ainda mais sério do que as outras vezes.
Foi neste momento que tudo mudou e o que parecia mais um obstáculo a enfrentar,
acabou se tornando sua razão de viver.
- Meu marido saiu imediatamente do trabalho e foi com meu histórico médico
embaixo do braço, com tudo o que eu já tinha passado. Neste momento foi
diagnosticado primeiramente que eu tivesse fé, porque não havia esperança de
que não fosse um novo tumor se manifestando.
MILAGRE DA VIDA
O tempo foi passando e depois de seis anos casada, chegou o tão sonhado filho.
Andréia relata que passou por maus bocados no hospital, porque sentia muita dor
abdominal e os médicos não conseguiam identificar onde estava o problema. Foram
diversos exames e o psicológico, tanto seu, quanto de seu marido, já estavam
preparados para o diagnóstico de um novo tumor. A situação era angustiante,
relembra. Em meio a crises de dor e desespero, um dos médicos pediu que Tiago
entrasse no quarto onde Andréia estava sendo atendida.
“Vocês acreditam em Deus?”, perguntou o médico ao casal, que imediatamente
respondeu que sim. “Vocês acreditam em milagre?”, continuou questionando,
quando apenas Andréia respondeu que com toda certeza do mundo acreditava, caso
contrário “eu não estaria mais aqui”.
- Quando o médico nos fez estes questionamentos eu perguntei o motivo das
perguntas e ele respondeu que a medicina não tinha como explicar o que estava
acontecendo comigo. “Vocês têm um menino de 16 semanas, totalmente saudável e
isso não tem explicação. Peçam a resposta a Deus”. Foi o que ouvimos naquele
dia em que descobri uma gravidez que haviam me dito que seria impossível de
acontecer. Eu via aquele filho como uma gratificação à minha fé, ao milagre que
fui abençoada, um presente por eu ter aguentado firme todas as dores
enfrentadas. Eu não podia engravidar e aconteceu.
Sua médica ginecologista da época a examinou para saber que doenças o bebê
poderia ter, porque com o seu histórico médico, não era possível que a criança
pudesse nascer saudável. Para surpresa de Andréia, seu marido e também da
médica, nasceu Mateus, que no significado bíblico significa “enviado de Deus”.
- A cesárea estava marcada para janeiro, porém, veio ao mundo com 33 semanas,
de parto normal e com um pulmão perfeito, o que fez com que ele não precisasse
ficar em incubadora. Mateus veio para os meus braços do dia 23 de dezembro e no
dia seguinte eu estava em casa com ele, o nosso presente.
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NOVOS DIAGNÓSTICOS
Após realizar o sonho de ser mãe, enquanto ainda tentava recuperar a saúde das
cirurgias que havia enfrentado, Andréia passou novamente por mais uma provação
na vida. Logo depois de seu filho completar o primeiro ano de vida, recebeu o
diagnóstico do terceiro tumor. Neste momento, ela confessa, “balançou”, porque
agora tinha alguém que dependia de suas forças para viver.
- Balancei, mas não perdi a fé. Eu precisava cuidar dele, mas com aquele mundo
novo e mais um doença surgindo, eu tive depressão pós-parto e tudo o que não
engordei na gravidez, acabei adquirindo nessa fase, porque eu não sabia o que
fazer com aquela situação - explica.
Dessa vez o tumor atingiu sua mama e foi preciso enfrentar mais uma cirurgia
para esvaziar a axila e tirar metade da mama esquerda, o que resultou na
necessidade de implantar uma prótese reparadora.
- Isso tudo aconteceu numa quarta-feira, era véspera de feriadão. Domingo me
recuperei e segunda-feira já estava trabalhando – conta.
Mais uma vez, ainda em recuperação, surgiu o quarto tumor, dessa vez no ovário
e a cesárea que não precisou ser feita quando seu filho nasceu, agora se fez
necessária.
- Deveria ser muito simples, eram apenas cinco centímetros de um tumor que foi
descoberto cedo. Mas foi mais complicado do que imaginei. Meu ovário explodiu e
a chance de infectar outros órgãos era grande, eu poderia ter uma infecção
generalizada. Minha médica optou rapidamente por uma anestesia geral, que até
então havia sido local. Fui aberta, os médicos lavaram todos meus órgãos, meu
ovário foi suturado e cá estou, viva, em pé, firme e forte – brinca Andréia,
que ainda está em tratamento.
EPISÓDIO TRISTE NA CARREIRA
Quando Andréia pensou que nada mais de ruim poderia acontecer após vencer
quatro batalhas contra tumores, no trabalho um episódio a desestruturou. Ela
sofreu assédio moral, um ato cometido em público pelo gerente do banco em que
trabalhava na época. Ela entrou em pânico e precisou recorrer a psicólogos e
psiquiatras, até que foi afastada pelo banco, porque a consideraram
incapacitada para trabalhar.
- Somente depois eu fui entender o que tinha acontecido, ninguém me deu nenhuma
explicação, simplesmente me encaminharam para o INSS. Na realidade existe uma
lei que diz que a empresa pode afastar o funcionário que ficar ausente “15 dias
mais um” dentro de um mês, e foi o que aconteceu comigo, mesmo que estes
atestados fossem apenas para explicar as horas de consulta em que eu estive
ausente do banco, porque eu ia ao médico e voltava para o trabalho no mesmo
dia. Então eles não podiam me demitir porque eu estava doente, mas ao mesmo
tempo não me queriam no banco pelo mesmo motivo, por isso decidiram me afastar.
Ter passado por um assédio moral e posteriormente ter sido afastada do trabalho
sem entender os motivos, desencadeou uma série de outras doenças.
- A partir disso eu desenvolvi vários problemas psiquiátricos, tudo enquanto me
recuperava do terceiro tumor e enquanto cuidava do meu filho pequeno, que foi
quem me deu forças para enfrentar tudo isso.
TRANSTORNO BIPOLAR
Uma das doenças adquiridas foi o transtorno bipolar, que no seu caso se apresentou
de maneira grave. Apesar de ser tratada como uma
mudança de humor repentina, a bipolaridade é uma doença séria que provoca alterações
no sistema nervoso central. Andréia conta que foi diagnosticada com essa
doença por um exame que detectou redução de
matéria cinzenta (formada pelo corpo dos neurônios) em partes do cérebro que
controlam a inibição e a motivação — as regiões frontal e temporal, respectivamente.
- Essa doença é muito incapacitante porque realmente não se sabe como
vai ser o dia. É como meu psiquiatra disse, eu sou uma bomba-relógio prestes a
explodir a qualquer momento. A gente fica desestabilizada emocionalmente mesmo
tomando remédio. Não assisto ao noticiário, por exemplo. A recomendação é de
que eu não veja porque eu pego para mim o que não é meu, absorvo aquela energia
ruim com facilidade devido ao meu desequilíbrio mental causado pela doença. Eu
preciso evitar coisas ruins, então assisto muito pouco à televisão – salienta.
Outros problemas causados pela doença são as crises de ansiedade e o Transtorno
Obsessivo-Compulsivo (TOC). Andréia explica que nas crises de ansiedade, por
exemplo, gastava compulsivamente e comprava coisas sem necessidade que jamais
usou, além de que enchia as pessoas de presentes.
- TOC foi o primeiro, tudo me irritava e isso me deixava com uma ansiedade
incontrolável. Depois eu tive síndrome do pânico, que eu já passei por 12
crises terríveis, cheguei a engolir minha língua, entortar totalmente meu
corpo, fiquei sem caminhar e falando sem ninguém entender o que eu estava
dizendo. É horrível. Hoje tomo indutores de sono porque não consigo dormir de
forma natural de maneira alguma. Mesmo assim, tem noites que eu acordo no meio
da madrugada e preciso arrumar alguma coisa para fazer. Tenho um remédio que
coloco embaixo da língua quando eu sinto que vou passar mal. Eu nunca sei
quando vou ter crises. Bipolaridade, se a pessoa não procurar ajuda, leva à
loucura.
DIAGNÓSTICO DE FIBROMIALGIA
Em função das Lesões por Esforço Repetitivo (LER) adquiridas no banco,
descobriu ser portadora, também, de fibromialgia, uma doença para a qual a medicina
ainda não conseguiu descobrir a cura. Ela explica que continuava com muitas dores,
mesmo após estar afastada de sua função no banco.
- A fibromialgia e a depressão caminham lado a lado. Cada vez que a depressão
ataca, eu sinto mais dores, então me trato na clínica da dor, em Porto Alegre,
tomo medicamentos em casa e quinzenalmente passo de duas a quinze horas no
hospital para fazer uma medicação intravenosa que ameniza minha dor por um
período. Fico debilitada, fraca. Infelizmente estou passando por mais uma
prova. Perdi 20 quilos em menos de um mês, mas a minha crença é inabalável. Acredito
em Deus e sei que se ele dá essas aprovações para eu enfrentar, é porque eu
posso vencer. Se ele desse para alguém que eu amo, seria muito pior – finaliza
Andréia, que afirma que mesmo tendo muitas recaídas, jamais desistiu de lutar.
O QUE ELA DISSE
“Tem gente que tem vergonha de falar, que tem diagnóstico de bipolaridade na
família e não conta para os outros e na verdade eu sou muito julgada, porque
quem não entende o que eu tenho, não entende porque tem vezes que eu estou de
cara amarrada, sem querer conversar com ninguém. É muito fácil julgar, mas se
colocar no lugar do outro é muito mais complicado e eu aprendi isso na dor. São
10 anos de muita luta, com tratamentos constantes, que eu não posso ficar sem.
Tenho acompanhamento psicológico e psiquiátrico, que são os que me mantém em
pé, junto à minha fé em Deus. Ninguém se cura sozinho. Bipolaridade e
fibromialgia são doenças que não têm cura, por isso é tão importante que as
pessoas que tenham problemas psicológicos ou psiquiátricos, procurem ajuda. A
mensagem que deixo é para que todo mundo tenha a consciência de que é preciso
ir ao médico, fazer exames, cuidar da saúde. Um diagnóstico precoce, seja qual
for a doença, é muito mais fácil de tratar”.
Andréia Alves Calbar, sobre a batalha diária que enfrenta para sobreviver.
>> PERFIL
Andréia Alves Calbar, 40 anos
*Natural de São Jerônimo, mas se considera charqueadense
*É filha de Ary Alves e Iná Kringel Alves, que vieram do interior de São
Lourenço do sul, onde se criaram na lavoura com muita dificuldade, sem energia
elétrica e água potável, e que batalharam muito para criá-la nas melhores
condições possíveis, o que foi conquistado graças ao tino para os negócios. “Meu
pai, caminhoneiro, comprou um caminhão modesto à prestação e começou a fazer fretes,
comprando e vendendo batatas, vencendo todos os desafios diários por ser
analfabeto. Já a mãe, que estudou até o quarto ano do Ensino Fundamental, foi
comerciante e cuidava da nossa família com o zelo necessário, dentro dos
pilares da boa educação e do amor”.
*Entre os 7 e 8 anos, ajudava a mãe nas lidas domésticas. Já na adolescência
passou a auxiliar o pai na lavoura de melancia durante as férias, outra
oportunidade de renda que acabou criando à época. “Era muito cansativo por eu
ser menina, mas era o trabalho da família, todos os filhos ajudavam, inclusive
eu. Ajudei na lavoura até que meus pais acharam que não era mais adequado eu
estar naquele lugar”
*De origem humilde, cresceu entre
três irmãos, sendo ela a única menina entre eles. Isso fez com que sua criação
tenha sido bastante rígida. “Na época eu não entendia os motivos, mas hoje me sinto
muito grata pela maneira com que fui criada”.
*Católica praticante, Andréia participou durante 15 anos de programas para
jovens na igreja, por gostar e também, para que pudesse ter contato com outras
pessoas, o que sua rígida criação mal permitia. “Somente aos 18 anos comecei a
frequentar festas, desde que acompanhada do meu irmão mais novo e apenas uma
vez por mês”.
*Batalhou para poder estudar. Lutou contra o preconceito da época, quando ouvia
que mulher deveria ficar em casa cuidando da família e não podia sair. Criou
coragem e juntou dinheiro durante os dois últimos anos do Ensino Médio para
poder cursar uma faculdade, o que conseguiu aos 19 anos, quando passou no
vestibular de Administração na Ulbra São Jerônimo. “Fui criada com muita rigidez
por três irmãos, pai e mãe, sempre preocupados com minha felicidade e que me ‘prendiam
muito’ porque tinham medo que eu sofresse. Foi com muito esforço que consegui
estudar e paguei todo o curso que levei 11 anos para concluir. Depois fiz
pós-graduação em Gestão de Pessoas na mesma universidade, que também paguei
sozinha, com o meu trabalho e sem auxílio financeiro de ninguém”.
*Seu primeiro estágio aconteceu um ano depois, quando passou na seleção do
Banrisul, em São Jerônimo. Sua função era auxiliar as pessoas que não sabiam
executar a ação desejada nos caixas eletrônicos. Chegava mais cedo para poder
ajudar os idosos que apresentavam resistência e dificuldade ao lidar com o meio
eletrônico. ”Eu chegava duas horas mais cedo para ajudar, porque não tinha onde
eles ficarem enquanto o banco não abria, então formava filas enormes em período
de pagamento de aposentadoria, por exemplo. Às vezes chovia ou fazia muito frio
e eles não tinham nenhum abrigo para ficar. Então eu me colocava no lugar deles
e fazia de tudo para ajudar. O gerente, que residia em cima do banco, abria a
agência mais cedo para eu poder atendê-los”
*É casada e mãe de Mateus Alves Calbar, hoje com 11 anos
*Entre quatro irmãos, é a única mulher, o que fez com que sua criação tenha
sido bastante rígida. O primeiro namorado que levou em casa passou por muitas
provações: Tiago, seu melhor amigo e companheiro com quem casou em fevereiro de
2003 e que a cuida desde o primeiro diagnóstico de tumor.
*Sua crença religiosa é forte e, por ter muita fé em Deus, acredita ter
vivenciado um milagre que nem a Medicina soube explicar quando engravidou de
seu único filho, Mateus, fruto de uma união que completará 16 anos no próximo
dia 22.
*Enfrentou o primeiro tumor (de face em estágio avançado) aos 24 anos, pouco
antes de completar um mês de casamento. O segundo foi detectado dois anos
depois, no colo do útero, quando fez seu exame preventivo, o que garantiu o
diagnóstico logo no início da manifestação.
Um tempo depois nasceu seu filho,
ao contrário do que pensava que fosse um novo tumor se manifestando. Com o bebê
nos braços, recebeu o diagnóstico de câncer de mama, que a fez passar por um
esvaziamento da axila e colocar uma prótese reparadora. O quarto tumor, agora
no ovário direito, foi diagnosticado também no início.
*Sua força, fé e perseverança
também precisaram ser testadas quando sofreu um assédio moral em um banco onde
exercia a função de tesoureira. Foi afastada da Instituição após o episódio que
fez com que uma série de outras doenças desencadeasse, como depressão, TOC,
síndrome do pânico, transtorno bipolar, crises de ansiedade e fibromialgia,
além das oriundas do esforço repetitivo no trabalho. Cinco anos após ingressar
na Justiça, venceu o processo trabalhista e de assédio moral.
*Devido à osteoporose, outro problema ocasionado em decorrência das muitas medicações
que toma todos os dias, precisou mudar de casa por causa das escadas existentes
na antiga moradia.
*Sua luta é constante, sempre procurando não perder o sorriso no rosto e
encarando todos os obstáculos com muita positividade ao lado da família, que são
os pilares de sua existência. Enfrenta dias de dor, toma remédios que não pode
ficar sem, faz tratamentos psicológicos e psiquiátricos e vive sempre em alerta
por ter que cuidar cada alteração em seu corpo. Tem dias que não consegue sair
da cama e não fala com ninguém, mas mesmo com todos os problemas se considera
uma mulher guerreira, com uma fé inabalável, amada, com forte apoio familiar e
que luta para não perder a esperança de viver cada segundo intensamente. “Deus
no comando, sempre”, como costuma repetir a cada episódio de dor e sofrimento.
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