OPINIÃO | Crise nos leitos do RS: quando a negação da ciência se torna uma sentença de morte
A baixa cobertura vacinal, especialmente entre grupos vulneráveis, não é um acidente, mas o resultado de políticas hesitantes e da omissão em combater a desinformação que assola as redes e os lares

Marcelo Noronha*
O Rio Grande do Sul enfrenta um colapso sanitário alarmante. Hospitais superlotados, filas intermináveis e profissionais da saúde exaustos pintam um cenário desolador, onde síndromes respiratórias – muitas delas evitáveis – consomem leitos e vidas. Diante da escala, a Secretária Estadual da Saúde sinaliza a possibilidade de decretar calamidade pública, reconhecendo o que a população já vive na pele: a saúde gaúcha está à beira do abismo.
No centro dessa crise está uma verdade inconveniente: a subnotificação de vacinas e a negligência institucional em garantir campanhas robustas de imunização. Enquanto vírus como influenza e RSV (vírus Sincicial Respiratório) avançam, o Estado falha em proteger seus cidadãos. A baixa cobertura vacinal, especialmente entre grupos vulneráveis, não é um acidente, mas o resultado de políticas hesitantes e da omissão em combater a desinformação que assola as redes e os lares.
Não há como dissociar a crise atual do veneno anticiência que intoxicou parte da sociedade. Movimentos que ridicularizaram vacinas, líderes que minimizam a gravidade de doenças respiratórias e teorias conspiratórias que transformam postagens em epidemias de ignorância têm um custo mensurável: vidas perdidas. A desconfiança na medicina, alimentada por discursos irresponsáveis, não é mera opinião – é um atentado à saúde coletiva. Enquanto alguns lucram com o caos, a população paga com leitos inexistentes e corredores transformados em enfermarias.
A ciência não é infalível, mas é a melhor ferramenta que temos para enfrentar crises sanitárias. Ignorar evidências, desprezar vacinas e romantizar a “imunidade natural” são escolhas políticas e individuais que ecoam como sentenças de morte em UTIs lotadas. Cada leito ocupado por uma doença prevenível é um monumento ao fracasso de quem optou por negar fatos em nome de ideologias ou interesses escusos.
Declarar calamidade pública pode liberar recursos, mas não resolverá a raiz do problema. É urgente que o poder público priorize campanhas de vacinação transparentes e massivas, combatendo a desinformação com dados e empatia. À sociedade, cabe lembrar: saúde não é questão de opinião, mas de sobrevivência. Enquanto houver quem trate a medicina como inimiga, o RS seguirá enterrando vítimas de uma guerra que já deveria ter sido vencida.
A crise atual é um alerta sombrio: quando a ciência é abandonada, o preço não se mede apenas em leitos – mas em futuros interrompidos. Negar isso é firmar um pacto coletivo com a morte.
(*) Marcelo Noronha
Estudante de Jornalismo
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