Tractebel encerra operações da termelétrica de Charqueadas
Após 54 em operação, empresa fechou a única térmica remanescente na região Carbonífera

O que já havia sido anunciado pela empresa no mês de maio, se confirmou na semana passada: silenciosamente, no último dia 25, a Engie Tractebel encerrou as atividades da Usina Termelétrica de Charqueadas, depois de 54 anos de funcionamento no município.
Com o fechamento da Usina de Arroio dos Ratos, em 1956, e de São Jerônimo, em 2013, Charqueadas era a última usina a carvão em funcionamento na região Carbonífera.
Com o encerramento das atividades, alguns funcionários que não aderiram ao PDV ou se aposentaram, foram demitidos. Os demais trabalhadores permanecerão na planta até o encerramento total das atividades, previsto para 1º de janeiro de 2017 e, depois, há possibilidade de que sejam transferidos para outras unidades da empresa.
Atualmente a empresa não fala sobre o assunto, mas um comunicado emitido em maio revela os motivos do fechamento: a obsolescência técnica dos equipamentos e a baixa eficiência da unidade, que atualmente gerava 36 megawatts (MW). “As restrições que temos não são ambientais, pois a Usina cumpre adequadamente com o que está previsto na Licença Ambiental. Nossas restrições são de final de vida útil dos equipamentos, pois alguns deles já estão alcançando a marca de 300 mil horas de operação”, explicou o diretor-presidente da companhia, Manoel Zaroni Torres, em uma nota enviada à imprensa em maio. A mesma nota revela, ainda, que o fechamento da usina está alinhado com a estratégia do grupo de descarbonizar sua matriz de geração de energia.
Pressão de lideranças não resolveu
Depois do fechamento da Usina da CGTEE de São Jerônimo, ocorrido há mais de dois anos, o risco de fechamento da usina da Tractebel de Charqueadas também preocupava a região Carbonífera há bastante tempo. No início de 2016, lideranças do Sindicato dos Mineiros, Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST-RS) e Associação das Câmaras de Vereadores (Acverc), se mobilizaram para prorrogar seu tempo de funcionamento.
A previsão inicial, anunciada pela própria Engie Tractebel, era que a usina interrompesse as operações no dia 31 de agosto de 2016. Mas depois de um acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a empresa decidiu manter as operações até o final do ano.
Segundo Rodrigo Marcolin, vereador de São Jerônimo e presidente da Acverc, o pedido tinha como objetivo incentivar a compra de carvão e manter os mais de dois mil empregos que a termelétrica gera na região.
- Nós tentamos prorrogar até o final do ano para ter a chance de ter algum retorno de compra do carvão por parte do governo federal – disse.
Diversas audiências e manifestações foram realizadas pela Acverc e NCST-RS, mas não surtiram efeito. O setor carbonífero será fortemente afetado com o encerramento das operações da usina. Cerca de 2 mil funcionários de Arroio dos Ratos, Charqueadas, Butiá e Minas do Leão serão demitidos com a queda na venda do carvão que era comprado pela Tractebel para abastecer a termelétrica. Muito pouco se tem a fazer, já que mesmo com as constantes mobilizações, sindicalistas admitem não haver mais solução e o prejuízo é certo para empresas e trabalhadores da extração de carvão.
- Muito pouco se tem a fazer, a usina não tem mais volta. Os municípios de Butiá, Minas do Leão e Arroio dos Ratos terão mais de dois mil funcionários, que trabalham na extração de carvão, desempregados. E o projeto de uma usina entre Charqueadas e Eldorado do Sul, se acontecer, não tem previsão de início – afirma Oniro Camilo, presidente da NCST-RS.
Captação de água não será interrompida
Quando se cogitou a possibilidade de encerramento das atividades na usina, uma das preocupações foi a possibilidade de interrupção da captação de água da Corsan, que utiliza a estrutura da usina para captar a água que abastece as cidades de Charqueadas e São Jerônimo. Segundo Dienaro Giannechini, gerente da Corsan em Charqueadas, a captação será mantida no mesmo local porque a autarquia tem um contrato de comodato que permite utilizar o espaço da empresa Engie Tractebel durante cinco anos.
A Engie Tractebel não retornou os pedidos de informações da reportagem.
Emprego para mais de uma geração
Em operação desde 1962, com uma capacidade de 72 MW, a termelétrica Charqueadas já trocou de nome e donos por diversas vezes: Termochar Eletrosul, Gerasul, Tractebel Energia e, por fim, Engie Tractebel. Com uma grande importância na história da economia do município, a usina gerou oportunidades de trabalho para diversas pessoas de diferentes gerações.
Atualmente funcionário da empresa, Lucas Jarces Cardoso, 29 anos, é filho, neto e sobrinho de ex-funcionários da empresa. Seu avô, Ivo Jarces, hoje aposentado, trabalhou na construção da usina no final da década de 1950, na época pela empresa Ibere Eulálio.
Assim como seu avô, seu pai e seu tio também estão aposentados após anos trabalhando nesta mesma empresa. Lucas Jarces será transferido para uma unidade da empresa em outro município, mas ainda não sabe para onde. Mesmo assim, fica triste por ver a usina que deu oportunidade de emprego para sua família encerrar as atividades.
-É uma mágoa enorme ver este estabelecimento se acabar. Minha família se formou nele, eu trabalhei, pai, tio, primo... Uma família toda ligada a UTCH que agora já não existe mais - lamenta Lucas Jarces.
Pioneiros lamentam o fechamento
Aos 80 anos, Ivo Jarces, avô de Lucas Jarces, dedicou muitos anos de sua vida à usina, entre as fases de construção e de operação. Profissional da área de solda, Ivo Jarces lembra que chegou a trabalhar com os alemães que atuaram na fase inicial da UTCH e, assim como seu neto Lucas, lamenta o encerramento das atividades da termelétrica.
- Foi um tempo muito bom. Iniciei como soldador e sempre ganhei bem. Eu lastimo muito o fechamento, que é uma notícia péssima. Essa usina sustentou muitas famílias, e se olhar as ruas aqui perto, a maioria dos moradores era de familiares de trabalhadores da empresa. É triste, pois muitos terão de se deslocar e alguns vão ficar sem emprego. É lamentável – lamenta Ivo Jarces.
Construída entre as décadas de 1950 e 1960, a UTCH fez com que moradores de diversas cidades se mudassem para Charqueadas e lá permanecem até hoje. Quem passa pela Avenida 15 de Novembro, no Centro da cidade, pode avistar diversas casas grandes, antigas e com uma arquitetura padronizada. Sãos as chamadas "casas da usina", onde, inclusive, ainda moram aposentados da UTCH. A maioria trabalhou na construção da usina e, depois, passou a integrar a equipe da Termochar.
É o caso de Vilson Florisbal, conhecido como Pulgão, que veio de Butiá para trabalhar nas obras de instalação da termelétrica, realizadas pela empresa Ibere. Depois de concluída a obra, Florisbal integrou a equipe da UTCH e lá trabalhou por mais de três décadas. O morador da Avenida 15 novembro lamenta o fechamento da usina que ajudou a construir.
- É uma tristeza muito grande, pois eu vi a usina surgir desde o primeiro tijolo. A usina foi uma mãe para mim - revela.
Também morador de uma das "casas da usina", Nelson Virote, trabalhou período de construção e, depois, na usina quando iniciaram as operações. Morador de São Jerônimo, Virote foi para Charqueadas há 52 e boa parte deste tempo foi dedicado à UTCH.
-Fico triste ao ver a usina fechar. Eu vivi ali dentro mais de trinta, assim como muitos como eu, que viveram lá dentro e deram boa parte da vida para empresa - Nelson Virote.
Opinião
Mais um fechamento de usina
Tassiane Freitas*
Em 1956 "silenciosamente" a Usina Termoelétrica de Arroio dos Ratos fechava as suas portas. Aos poucos as estruturas que compunham este belo exemplar industrial da região carbonífera do Rio Grande do Sul eram desmanteladas: desde a tentativa de demolição do frontão da velha usina (hoje uma das mais interessantes estruturas industriais do Estado, inclusive servindo de cenário de inúmeros books fotográficos) à retirada dos trilhos do trem e de diversas outras estruturas. Hoje assistimos a mais um fechamento de usina termoelétrica. Agora a situação ocorre em Charqueadas, local para onde as atividades em torno da indústria carbonífera foram transferidas após o fim das atividades em Arroio dos Ratos. O caminho das termoelétricas me parece difícil de ser revertido, aos poucos elas se direcionam para extinção. É difícil aceitar esta situação, tendo em vista uma comunidade que por cerca de dois séculos teve como principal atividade econômica as indústrias em torno do carvão mineral. De qualquer modo, diante do fechamento da antiga Termochar ficam as questões: como nós, comunidade carbonífera do Baixo Jacuí, nos colocaremos frente a este vestígio da história, memória e cultura industrial de nossa região? Quais serão os usos sociais deste Patrimônio Industrial daqui para frente? Assistiremos mais uma vez à "taxidermia" de um rico exemplar industrial? A situação é difícil, mas é diante da dificuldade que podem surgir ideias inovadoras de incentivo ao desenvolvimento local de maneira sustentável. Pensemos nisso.
(*) Historiadora
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