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São Jerônimo, RS,13/06/2025

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João Adolfo Guerreiro

JOÃO ADOLFO GUERREIRO | Amores do passado devem ficar no passado

A propósito do Dia dos Namorados

Domínio Público
JOÃO ADOLFO GUERREIRO | Amores do passado devem ficar no passado A propósito do Dia dos Namorados

João Adolfo Guerreiro

- 1 -

 Carla, depois de vinte e dois anos de casamento, separou-se. De há muito a relação com Airton esfriara, tal qual café esquecido sobre a mesa no inverno. Contudo haviam as filhas. Isso, os filhos, sempre a mesma coisa. Mara e Vanessa cresceram, foram fazer faculdade, morando em Pelotas e, assim, a funcionalidade do casamento acabou.

Estava livre! Nada contra Airton, que era um homem bom. Isso, era bom mas acabou. “Adeus também foi feito pra se dizer” – já disse o Guilherme Arantes naquela música.

 Carla sempre pensava no Felipe. Melhor, depois que o seu casamento ficou à deriva, pois no inicio era apaixonada por Airton...

 - 2 -

 Lindo, olhos azuis, “um pão”. Mas também muito mulherengo, resmungão e egoísta. Somente depois de casados esses detalhes apareceram. Trocara o Felipe pelo Airton. Não tinha do que reclamar, pois o Airton tinha o seu lado bom também, como homem, como amante. Coisas que se perderam no tempo, mas que deixaram também sua impressão positiva, sem margem para mágoas.

 Conheceu Felipe na casa da tia Jurema. Ele era amigo de uma prima que veio na casa da tia, em visita, trazendo-o junto. Quando os olhos se cruzaram, ela se apaixonou. Felipe, além de bonito, era uma pessoa meiga e gentil. Carla tinha 17 anos na época. Ele passou a vir da cidade de onde morava para vê-la. Namoram por cerca de um ano. Felipe queria casar com ela. Deu-lhe um anel de ouro!

 Foi então que Airton apareceu. Lindo! Ia no colégio flertar com ela, que ficou encantada. Não deu outra: volúvel, uma típica Katie Scarlett O'Hara, até olhos verdes tinha. O difícil foi dar o fora em Felipe. Ele ficou muito triste. Foi embora, levando consigo uma mágoa. Isso não a fez sentir-se bem. Ele nem pediu o anel de volta! Airton, de ciúme, pegou o anel e atirou no rio. Ela não fez nada. Era justo que o anel lá ficasse, junto com a sua história com Felipe. Águas passadas.

 - 3 -

 Estava livre! Já fazia um ano. Havia tido um casinho com um colega de serviço, nada de mais conseqüente. Ele era casado e não largaria a mulher. Ela queria algo mais seguro. Não parava de pensar em Felipe. Onde estaria? Como estaria? Como se arrependia da troca que tinha feito no passado! “Ah, eu só tinha 17 anos” – pensava.

 Um dia acordou decidida a contatar o Felipe novamente. Saber como ele estava, essas coisas. Quem sabe?

Procurou com a tia Jurema o telefone daquela prima. Ligou pra ela. Pergunta vai, pergunta vem, falou “sem querer “ no Felipe.

 - Ah, é mesmo, vocês namoraram, lembro. Ele ficou arrasado quando você o trocou pelo teu marido.

- Ex-marido Paula.

- Sei. É o costume.

- Que fim levou ele, Paula?

- Ah, sei que tinha casado. Parece que depois se separou e foi morar em Montenegro.

Depois a conversa enveredou por outro assunto.

 Carla procurou o nome dele na lista. Achou.

“Ligo ou não ligo? Falar o que, depois de tanto tempo?”

Levou um mês pensando se valia a pena ou não desenterrar esse amor do passado. Buscá-lo no fundo do rio. “Ah, o anel! O que eu vou dizer? Ah, vou dizer que perdi. Não, que roubaram. De repente ele nem pergunta nada.”

Resolveu ligar pra ele. “Que desculpa usar? Marcar um encontro para conversar! Vou ver no que dá.” Botou isso na cabeça. Ligou.

 - 4 -

 - Oi Carla. Quanto tempo! E que surpresa!

- É, nunca mais a gente tinha se falado, né. Fico até meio sem graça, mas tenho pensado em você e resolvi te procurar. Ver como você está. Conversar.

- Como é que está o seu marido.

- Ex-marido. Me separei dele. Não deu certo.

- Sei... Também casei e me separei. Não dei muita sorte com as mulheres...

- É... Teve filhos?

- Tive. Um. O Ricardo. Ainda tá rapaz. Tem 16. E você?

- Duas meninas. Mara e Vanessa. Já tão na universidade.

- Legal. Mas porque você me ligou, depois de tanto tempo? O que você quer comigo?

- Sei lá. Quer dizer, quem sabe a gente se encontra para conversar.

- É... Olha, acho até que é uma boa. Eu confesso que também penso em você às vezes. De repente até que vai ser legal.

Continuaram a se falar por mais algumas vezes, ao telefone. Marcaram de se encontrar na rodoviária de Porto Alegre. Ele disse a que horas chegaria. Carla percebeu que Felipe ficara animado com a história.

 - 5 -

 No dia marcado lá estava ela. Nervosa, ansiosa. Não chegaram a trocar detalhes de como estariam. Não pintou clima para tais comentários. “Será que eu fiz certo? Bom, agora já era”. Carla, aos 41 anos, ainda era uma mulher bonita e interessante. O corpo estava muito bem. Era de família. As irmãs, a mãe, as tias, todas eram bonitas de corpo e envelheceram bem. Chamavam a atenção por isso na cidade natal, que as chamavam de "família monstro", de monstruosamente belas. Percebia que os homens ainda a olhavam com interesse. “Como será que ele está?”

 Ficou no segundo piso esperar o ônibus de Montenegro chegar no box. Chegou. Começaram a descer os passageiros. Lembrou do Pedro, um outro colega de serviço, que arrumara uma namorada pela Internet. Pedro disse que quando a viu pessoalmente, caiu para trás. Ela era mais baixa do que havia informado e dez anos mais velha que a foto. Voltou no mesmo ônibus! Desceu um gordinho careca do ônibus. “Será que é ele?” Era. Jaqueta de lã preta. Não havia dúvida. Ficou parado esperando por ela. Ela lá no alto, olhando. Quase não o havia reconhecido. “Tá um caco”. Era bonito, mas duas décadas o transformaram muito. “E agora, vou lá ou não? Ele veio até aqui a meu convite, não tem como eu não aparecer, seria um desrespeito muito grande.”

 - 6 -

 “Vou embora! Ai, não dá, não sou mais menina, seria ridículo. Vou ter que encarar a situação de frente. Ai, que arrependimento. Devia ter pedido uma foto dele. Mas não tive cara de pedir.”

 - Oi Carla. Tubo bom.

- Oi Felipe.

- Puxa, você está ainda bonita. O tempo te fez bem.

- Obrigado. Vamos sentar num restaurante aqui mesmo pra gente conversar.

- Claro. Proponho a churrascaria. É mais reservado, a gente vai ficar mais à vontade.

 Realmente, Felipe demonstrava a ação do tempo.

“Pelo menos os dentes estão muito bons. Ele não deve fumar e ser caprichoso. Bom perfume, aliás. Mas, decididamente, não estou a fim de esticar esse encontro par o futuro”.

 Conversaram bastante. Felipe continuava o mesmo, meigo, gentil, muito educado. Se o tempo lhe fora ingrato fisicamente, por outro lado havia lhe temperado o espírito. Estava mais seguro, mais sábio. Falava pausadamente, parecia à vontade com a situação, como se estivesse ali sem muita expectativa, para ver o que aconteceria. Atualmente trabalhava como motorista na prefeitura, concursado. Não fizera faculdade. Tinha casa própria, estava estabilizado. Essas coisas deixaram Carla feliz. Bom ver alguém que fez parte de sua vida em paz consigo mesmo, bem resolvido. Carla, por sua vez, se sentia uma completa idiota. Primeiro por não ter completa segurança ao marcar o encontro. Segundo, por quase ter feito papel de idiota ao pensar em não ter descido para vê-lo. Agora estava mais tranqüila.

 Epílogo

 Ao final, foi bom. Mas, assim como Airton, foi bom, mas acabou. Felipe ainda continuava interessante, mas não era o que ela procurava. No fundo procurava um Airton renovado, um Felipe-Airton, alguém macho, que lhe jogasse na parede, um homem caliente, que a fizesse sentir-se mulher, assim como o ex-marido, mas com a doçura que o ex-namorado tem.

 Carla chegou a conclusão de que não mudara muito. Ainda uma Scarlett. “Se existe amadurecimento, ou é outra coisa, diferente do que eu imagino, ou eu não amadureci. Dane-se, prefiro ser sincera comigo mesmo. A esta altura da vida não dá pra perder tempo.” A vida segue em frente. Os amores do passado devem ficar no passado. “Pelo menos é o que eu acho. Cada um cada um, cada vida é cada vida”.

Lembrou da poesia do Quintana: “Da realidade: O sumo bem só no ideal perdura... / Ah! Quanta vez a vida nos revela / Que 'a saudade da amada criatura' / É bem melhor do que a presença dela...”

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Charqueadas, 30 de janeiro de 2007. Esse conto, inédito, não é inspirado em ...E o vento levou, mas sim baseado em fatos reais, ou seja, como diz o meu sogro, é uma venerável história "venérea". Tirei-o da gaveta e o publico hoje, a propósito do Dia dos Namorados.




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