João Adolfo Guerreiro
JOÃO ADOLFO GUERREIRO | A anjo da guarda
A inexorabilidade do livre arbítrio

João Adolfo Guerreiro
I - Carlos
Carlos, 40 anos, estava trabalhando quando passou a sentir uma indisposição, uma estranheza no corpo. "Deve ser o calor" - pensou. Sentou um pouco a sombra, bebeu uma caneca de água fresca e depois voltou ao trabalho.
- Tudu beim cuntigu, Carlitu? - perguntou Maromba, seu colega.
- Tudu beim cara. É essi calor.
Alguns minutos e a indisposição voltou, agora acompanhada de uma dor no peito.
- Maromba, nãum tô legau.
- Ô Carlitu, senta di novu. U qui é qui tu tá sentindu?
- Cara, tá doendu u meu peitu. Achu qui vô morrê.
- Nãum fica nervosu cara, nãum fica nervosu. Seu Piringa, veim cá qui u Carlitu tá passandu mau.
Em poucos minutos o carro da firma de construção civil está levando Carlos para o pequeno hospital daquela cidade do interior.
II - O anjo da guarda
- Josuel, o que tu estás a fazer com o teu protegido?
- Gabriel, estou dando um susto nele para ver se ele se cuida.
- Isso é perigoso. Se errares a mão ele pode ter um enfarte e morrer.
- Não, é só uma ameaça que ele vai ter. Estou controlando tudo com o devido cuidado.
- Veja lá, não exceda o limite dos teus poderes. Devemos respeitar o livre arbítrio das almas encarnadas em estágio evolutivo terreno...
- Estou tomando todo o cuidado Gabriel, fique tranqüilo.
Gabriel bate suas asas para outro plano e deixa Josuel em seus posto, sobre uma nuvem do planeta terra.
Josuel muda a freqüência do seu fluxo de pensamento para não tê-lo lido pelos anjos de ordem superior. É um direito que eles possuem, como ser em estágio intermediário de evolução encarregado de supervisionar e cuidar da existência terrena das almas encarnadas, as mais atrasadas. Josuel era o que chamamos de "anjo da guarda".
"Livre arbítrio! Era só o que me faltava. Esse gordo sedentário dê-le refrigerante, xis, cerveja, carne gorda e feijão com arroz, liquidando o seu equipamento físico e eu tenho que 'respeitar o livre arbítrio dele'. Não está certo isso. Meu Deus, ainda não tenho condição de conhecê-lo em sua plenitude, elevo meu pensamento a você, escondido de Gabriel, e peço orientação. Ora. Se tenho poderes sobre o mundo da matéria, devo usá-los em benefício do meu protegido.
"A gente fica na vigília deles, até quando dormem. Só nos é permitido fazer aparições alegóricas em sonhos, dando mensagens cifradas para que eles mesmo reflitam ao acordar ou, em situações de perigo iminentes, aconselhar por meio de pensamentos e intuições. Mas às vezes não adianta! Veja esse Carlos, corpo cheio de todos os pecados possíveis pelos prazeres da carne! Fornica, gasta o que recebe de seu trabalho em coisas muito pouco nobres, não honrando a família e a saúde que lhe foi concedida. Se eu não lhe der esse susto, ele vai em pouco tempo se perder e meu trabalho vai fracassar em evoluir essa alma.
III - A inexorabilidade do livre arbítrio
"O que está acontecendo. Mas não foi isso o que eu imaginei. Alguma coisa está dando errado. Não consigo controlar a situação. Vou ter que chamar Gabriel, não tenho escolha.
- Aqui estou Josuel. Porque que me trazes aqui de volta com teus pensamentos?
- Gabriel, algo está estranhamente fora do meu controle. Meu protegido teve uma parada cardíaca. Como pode ter acontecido?
- Eu lhe avisei para que não excedesse os limites dos poderes a ti concedidos por Ele.
- Gabriel, te rogo para que me ajudes, visto ter mais poderes do que eu sobre os rumos da matéria.
- Josuel, você ainda não tem elevação suficiente para compreender certas coisas. Livre arbítrio é livre arbítrio. Antônio é responsabilidade tua. Não posso intervir no livre arbítrio dele e nem no seu, que Ele, em sua infinita sabedoria, concedeu para que o aprendizado se dê de forma correta.
- Mas ele está desencarnando. Está morrendo.
- Josuel, sabemos que morte não existe.
- Mas e a família dele? Vai ficar desamparada no mundo da matéria.
- Desamparada? Josuel, Ele nos ampara a todos e não coloca em nossas costas fardo que não possa ser carregado, visto Sua infinita misericórdia. Josuel, não estás mais preocupado com a consequência de seus atos do que com a situação de seu protegido? Se sabias que não possuía totais poderes sobre as coisas da matéria, porque arriscaste a encarnação de Antônio usando-os de forma indevida, além de sua possibilidade de controle, contra o livre arbítrio por Ele estipulado como pré-requisito básico de aprendizado livre? Eu pressenti esse perigo, por isso vim aqui alertá-lo, mas como devo respeitar o seu livre arbítrio, não intervi naquele momento e não posso intervir nesse também. O que está feito, está feito. Cada um agora deve assumir suas ações na conta do seu aprendizado e evolução.
IV - Epílogo
Na saída do Hospital, Maromba e Piringa estão desolados.
- Viu só seu Piringa, qui coisa. Eu nãum achei qui fossi nada di tãum gravi. Eli ainda era um hômi novu.
- É a vida. Us cara facilita, nãum si cuidu, dá nissu.
- Infartu furminanti. Quandu nãum mata, aniquila! Coitadu du Carlitu, cum trêis filhu prá cuidá. I agóra? Já tinha escapadu di dois acidenti di carru eli, mais dessa veiz u anju da guarda dêli nãum táva pur pertu.
- Vai vê táva durmindu ou si cansô du Carlitu. Dáva muitu trabálhu prá eli.
- Vai vê. Quem é qui vai falá pra muié dêli agora?
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