OPINIÃO |Abolição e ilusão: as correntes que persistem
Os trabalhadores de hoje, embora legalmente “livres”, enfrentam jornadas exaustivas, salários que não pagam o básico e a precarização como norma

Marcelo Noronha (*)
No dia 13 de maio de 1888, o Brasil oficialmente aboliu a escravidão. Mas será que a liberdade, de fato, chegou? A Lei Áurea, assinada sob aplausos de uma elite que lucrou por séculos com corpos negros escravizados, não foi um gesto de humanidade. Foi uma manobra política e econômica. A crise do escravagismo já era insustentável: pressões internacionais, rebeliões de pessoas escravizadas e a necessidade de modernizar o trabalho para atender a um capitalismo que preferia assalariados a “propriedades” custosas. Os senhores da casa grande trocaram as correntes por outras formas de controle.
Os negros libertos, no entanto, foram lançados à própria sorte. Sem terra, sem indenização, sem políticas de integração, restou-lhes a periferia, a marginalização, a luta diária por dignidade. A Abolição não os fez cidadãos; transformou-os em alvos de um Estado que, até hoje, nega reparação. A senzala tornou-se favela, o chicote virou desemprego, e o navio negreiro segue navegando nas estatísticas de desigualdade.
A analogia com os dias atuais é perturbadora. Os trabalhadores de hoje, embora legalmente “livres”, enfrentam jornadas exaustivas, salários que não pagam o básico e a precarização como norma. Empregos sem direitos, terceirizações, apps que transformam pessoas em algoritmos descartáveis: são as novas formas de uma escravidão que se recusa a morrer. A casa grande, agora vestida de corporação, ainda dita as regras. O trabalhador, como outrora o nego liberto, é jogado num abismo de insegurança, onde sobreviver é um ato de resistência.
A abolição foi um marco incompleto. Revelou que libertar não é o mesmo que emancipar. Enquanto a liberdade não vier acompanhada de acesso à educação, saúde, moradia e condições dignas de trabalho, continuaremos a celebrar uma falsa libertação. O 13 de maio não é data para comemorar, mas para denunciar: as correntes mudaram de forma, mas não de essência. A luta por verdadeira abolição – social, econômica e racial – segue urgente. Afinal, de que vale um navio que zarpa, se deixa milhões à deriva?
(*) Marcelo Noronha
estudante de Jornalismo
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