Mudanças climáticas podem tornar eventos extremos até cinco vezes mais frequentes no Sul, aponta estudo
Estudo coordenado pela Agência Nacional de Águas projeta maior intensidade e frequência de enchentes no Rio Grande do Sul e destaca a necessidade de preparação para novos eventos climáticos extremos

O Rio Grande do Sul deve se preparar para enfrentar um futuro de eventos climáticos extremos ainda mais intensos e frequentes, de acordo com um estudo recente coordenado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). A pesquisa, intitulada "As Enchentes no Rio Grande do Sul – Lições, Desafios e Caminhos para um Futuro Resiliente", apresenta um cenário alarmante para o estado, especialmente após a tragédia climática de maio de 2024, considerada a maior enchente já registrada no estado.
Desenvolvido ao longo do último ano, o estudo contou com a colaboração de técnicos e pesquisadores de 15 órgãos federais e instituições de ensino, incluindo universidades como a UFRGS, UPF, FURG, UFPel e UFSM. A publicação foi apresentada nesta quarta-feira (30) e traz insights cruciais sobre as projeções para o futuro e as estratégias necessárias para mitigar os impactos das cheias.
A tragédia de 2024 e o futuro incerto
Os pesquisadores apontam que a enchente de maio de 2024 foi um evento sem precedentes no Brasil, com chuvas de duração, intensidade e abrangência territorial nunca antes observadas no país. Além de destacar os impactos devastadores da tragédia, que afetaram milhões de pessoas e causaram perdas econômicas bilionárias, o estudo sugere que, devido às mudanças climáticas, eventos como o de 2024 se tornarão mais frequentes e intensos nos próximos anos.
Projeções climáticas indicam que as chuvas associadas a eventos extremos podem ter duas vezes mais chances de ocorrer devido às mudanças no clima, com a intensidade das precipitações podendo aumentar entre 6% e 9%. As áreas do Sul do Brasil, incluindo o Rio Grande do Sul, são as mais vulneráveis a esse tipo de evento. As análises sugerem que a magnitude das vazões máximas nos rios da região poderá aumentar em cerca de 20%, e que as cheias extremas podem se tornar até cinco vezes mais frequentes. Ou seja, eventos que antes aconteciam uma vez a cada 50 anos poderão ocorrer a cada 10 anos.
— Esse evento de 2024 foi extraordinário, mas as projeções indicam que a tendência é de que eventos semelhantes se tornem mais intensos e recorrentes. Precisamos estar preparados para isso, não apenas no Rio Grande do Sul, mas em todo o país — alerta Ana Paula Fioreze, superintendente de Estudos Hídricos e Socioeconômicos da ANA.
Aumento das cheias e impactos na infraestrutura
Com o aumento das vazões dos rios, os impactos de futuras enchentes podem ser ainda mais catastróficos. Por exemplo, nas regiões de serra, o nível da água pode aumentar em até três metros. Na Grande Porto Alegre, o Guaíba, que já atingiu seu máximo histórico de 5,37 metros durante a enchente de 2024, pode alcançar níveis de até um metro a mais no futuro, ampliando ainda mais os danos nas áreas urbanas.
O estudo alerta para a falha das infraestruturas de contenção contra inundações, como diques e comportas, especialmente nas áreas metropolitanas. Em Porto Alegre, entre 35% e 40% da população afetada pela enchente de 2024 estava em áreas protegidas por sistemas que não resistiram, causando uma falsa sensação de segurança e ampliando os danos.
— As obras de contenção, como diques e barragens, são necessárias, mas não podem ser a única solução. Precisamos de um conjunto de medidas, incluindo sistemas de monitoramento, educação e ações preventivas — afirma Fernando Fan, hidrólogo do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH).
Monitoramento, prevenção e educação
Uma das principais conclusões do estudo é a necessidade de melhorar os sistemas de monitoramento e o planejamento de contingência. O estudo destacou que a falta de informações em tempo real durante a enchente de 2024 comprometeu a resposta rápida da Defesa Civil e atrasou a mobilização de recursos para a população afetada. Muitos moradores da região metropolitana de Porto Alegre não sabiam que estavam em áreas inundáveis e, em muitos casos, não tinham conhecimento dos protocolos de evacuação.
O estudo sugere que a educação preventiva deve ser uma prioridade, com simulações regulares envolvendo Defesa Civil, órgãos de saúde e educação. A população precisa estar bem informada sobre os riscos e saber exatamente o que fazer em caso de novos eventos climáticos.
Investimentos em infraestrutura e a necessidade de soluções integradas
Em relação às medidas estruturais, o estudo destaca a construção de grandes obras de contenção contra cheias, como diques, especialmente em áreas densamente povoadas. No entanto, os especialistas alertam que essas obras precisam ser complementadas por soluções não estruturais e devem ser adaptadas para os novos padrões climáticos observados no estado. Além disso, a manutenção contínua dessas obras é essencial para garantir sua eficácia.
A publicação ainda destaca o potencial de investimentos em sistemas de alerta para minimizar os danos causados por eventos extremos. Um estudo financiado pela ANA e desenvolvido pelo IPH mostrou que cada R$ 1 investido em sistemas de alerta pode evitar perdas de até R$ 661 em custos associados a inundações.
Conclusão
A tragédia de 2024 foi um despertar para a necessidade urgente de adaptação às mudanças climáticas no Rio Grande do Sul. O estudo coordenado pela ANA destaca que o estado deve se preparar para um futuro de mais cheias e desastres climáticos. Com investimentos em infraestrutura, monitoramento e educação, o Rio Grande do Sul pode construir um caminho para uma maior resiliência, minimizando os impactos de novos eventos extremos e salvando vidas.
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